George Baker*
Publicado originalmente na revista October, em 2005, o artigo de Baker busca dialogar com o famoso argumento de Rosalind Krauss em Sculpture in the expanded field, explorando as tensões entre o still e o movimento na fotografia contemporânea.
Começo não com um negativo, nem com uma impressão, mas com uma tela. Na tela pode ser vista uma paisagem, um campus ao que parece, identificado por uma vibrante sinalização e edifícios brutalistas imponentes. Esta é uma tela em movimento, enquanto a vista começa a se mover, desfilando a série de edifícios cambiantes diante de nós, mas também os habitantes deste lugar: vários jovens, estudantes boêmios e conformistas, prováveis professores,, seguranças e policiais. Junto aos corpos, a câmera esquadrinha os automóveis não tanto em movimento mas condenados à sua destruição, enquanto vemos carros destroçados após carros destroçados, uma óbvia homenagem a um dos grandes momentos da história da fotografia, o uso de imagens de catástrofe por Andy Warhol, em sua série “Morte na América”, e a um dos grandes momentos da história do cinema, o infame travelling de oito minutos de carros acidentados de Jean-Luc Godard no filme Weekend (1967). E, no entanto, se os carros aqui não se movem, as pessoas também não; tanto o objeto destruído quanto o sujeito congelado simplesmente passam em um movimento sem fim - numa rotação congelada - pontuado repetidamente por um acidente após o outro, uma revolução que chega ao fim apenas para repetir a si mesma novamente. De fato, a estranhamente estática imagem-movimento em questão, Campus weekend (2004), de Nancy Davenport, foi feita por uma fotógrafa; o trabalho consiste inteiramente em uma série de imagens fotográficas escaneadas, posicionadas como peça introdutória de uma exposição recente, outrora apresentadas como impressões fotográficas digitais.
Onde quer que se olhe hoje no mundo da arte contemporânea, o objeto fotográfico parece ser um objeto em crise, ou pelo menos em profunda transformação. Certamente já faz muito tempo desde que a reformulação da história e da teoria da fotografia parecia uma necessidade intelectual vital, um projeto histórico-artístico nascido da nova importância da fotografia na prática artística do anos de 1970 e 80. Tal como era teorizado então, o pós-modernismo poderia ser descrito quase como um evento fotográfico, como uma série de práticas artísticas que foram reorganizadas em torno dos parâmetros da fotografia tomados como o que Rosalind Krauss chamou recentemente de “objeto teórico”: a submissão dos objetos artísticos à lógica fotográfica da cópia, sua recalcitrância às concepções normativas de autoria e estilo, sua imersão nas formações da cultura de massa, sua teimosa referencialidade e a consequente punção da autonomia estética. Em retrospectiva, no entanto, poderíamos agora dizer que a extraordinária efervescência da teoria e da prática fotográfica no momento do início do pós-modernismo foi algo como o último suspiro do meio, o brilho crepuscular antes do anoitecer. Pois o objeto fotográfico então teorizado sucumbiu inteiramente nos últimos dez anos à sua recodificação digital, e o mundo da arte contemporânea parece ter se encaminhado, literalmente, para uma virada que agora teríamos que chamar de ‘cinemática’, em vez de fotográfica.
Nós estamos em um momento bem diferente daquele descrito por Krauss vinte e cinco anos atrás em seu ensaio “Sculpture in the expanded field”: as elásticas e “infinitamente maleáveis” categorias de meio denunciadas pela crítica de então não parecem com a nossa situação atual. O consenso crítico seria que o problema hoje não é apenas sobre se algo baseado-em-imagem pode agora ser considerado fotográfico, mas sim que a própria fotografia foi excluída, encaixotada, abandonada - tecnologicamente ultrapassada e esteticamente deslocada. Os artistas estrelas do firmamento fotográfico do presente são precisamente aquelas figuras, como Jeff Wall, que conciliam a fotografia com um meio mais antigo, como a história da pintura, configurando uma estranha reversão da antiga vingança da fotografia sobre os tradicionais meios artísticos; ou aqueles, como Andreas Gursky, que mais plenamente têm abraçado a nova escala e a tecnologia de recodificação digital da fotografia (isso dificilmente é uma oposição de possibilidades: Wall também abraçou o digital, e Gursky também é um pictorialista). E até o fotógrafo contemporâneo mais tradicional das gerações mais jovens não pode agora resistir ao impulso de lidar com as preocupações de outras mídias em sua prática, usando a fotografia menos para recodificar outras práticas do que permitindo que a fotografia seja ela mesma recodificada, como quando Philip-Lorca diCorcia ilumina sua fotografia de rua com as luzes de teatro ou cinema, ou Thomas Demand que agora acompanha seu simulacro de fotografia construída com projecções igualmente simuladas colocando suas construções em movimento, ou Rineke Dijkstra que se sente compelida a colocar gravações em vídeo de seus retratos ao lado de suas inscrições fotográficas. Mesmo entre aqueles artistas que continuam praticando algum tipo de fotografia, hoje o meio parece um expediente lamentável, uma ponte insuficiente para outras formas mais convincentes.
E, no entanto, eu me afasto da finalidade deste julgamento, deste fechamento do fotográfico, pela estranha vacilação no trabalho de Davenport com o qual eu comecei. Como descrever sua hesitação entre movimento e stasis, sua teimosa petrificação em face da progressão, sua concatenação em movimento daquilo que fica parado - sua aparentemente dupla dedicação tanto ao cinema quanto à fotografia? É esse hiato de indecisão, seja fusão ou rompimento, que eu quero explorar aqui. Pois parece que enquanto o meio [medium] da fotografia foi completamente transformado hoje, e enquanto as formas do objeto da fotografia tradicional não estão mais em evidência na prática artística mais avançada, algo como um efeito fotográfico ainda permanece - sobrevive, talvez, em uma forma nova e alterada. E se nós pudéssemos resistir às formas do objeto-limite do julgamento crítico e da descrição, bem como ao anúncio do desaparecimento tecnológico de um meio, talvez podemos ser capazes imaginar criticamente como o objeto fotográfico foi “reconstruído” na prática artística contemporânea - um ato de imaginação crítica feita necessária pelas formas da arte contemporânea, e que não responderão nem a exegese tecnológica, nem a critérios formalistas tradicionais.
“Reconstruir” um objeto: essa é uma vocação estruturalista, há muito tempo descrita por Roland Barthes, e que foi precisamente o gesto crítico feito vinte e cinco anos atrás na demonstração de Krauss em “Sculture in the expanded field”. No atual momento, quando a virada fotográfica já não parece tão dominante nas teorias do pós-modernismo, esse outro dispositivo explicativo daquela época - a noção do pós-modernismo se abrindo cultural e esteticamente para um “campo expandido” da prática - só ganha em utilidade. E, no entanto, para mim é impressionante que o esquema explicativo do campo expandido do pós-modernismo, até onde sei, nunca, foi empregado para explorar a transformação pela qual a prática fotográfica passou vinte e cinco anos atrás, durante os primeiros anos do pós-modernismo estético, este evento que foi sentido, por crítico após crítico, como sendo fotográfico. Certamente, escritores como Abigail Solomon-Godeau absorveu a lição crítica de Krauss e descreveu a fotografia pós-moderna como abertura para um campo de prática “expandido”, ao invés de reduzido; e o mapeamento preciso desta expansão nunca foi ensaiado, nem concretamente imaginado. Se hoje o objeto da fotografia parece estar sempre definitivamente escapando, precisamos adentrar e explorar o que pode significar declarar que a fotografia tem um campo expandido de operação; precisamos delinear o que este campo tem significado para as duas últimas décadas de prática fotográfica, a fim de nos situar com alguma precisão em relação à dispersão putativa - seja melancólica ou alegre - pela qual o meio hoje supostamente está passando.
Talvez o deslizamento epistemológico mais notório da fotografia - pense na famosa dificuldade enfrentada por Roland Barthes durante todo o seu livro Camera lucida (1980) para definir de alguma maneira geral o objeto de sua análise - resista inerentemente à ordem estrutural e à análise do que Krauss chamou de campo expandido.Talvez, de fato, o campo expandido da fotografia, ao contrário das esculturas, possa até ser imaginado como um grupo de campos expandidos, múltiplos conjuntos de oposições e conjugações, ao invés de qualquer operação singular. E, no entanto, é impressionante como consistentemente a fotografia tem sido abordada por seus críticos através da retórica do pensamento oposicional, quer olhemos para a fotografia como dividida entre ontologia e uso social, ou entre arte e tecnologia, ou entre o que Barthes chamou de denotação e conotação, ou o que ele também mais tarde chamou de punctum e studium, entre “discurso e documento” (para usar uma criação de Benjamin Buchloh), entre “Trabalho e Capital” (para usar uma de Allan Sekula), entre índice e ícone, seqüência e série, arquivo e fotografia de arte. Alguém poderia continuar indefinidamente.
Essa divisão da fotografia entre oposições extremas é exatamente o que precisamos para começar a mapear um campo expandido da sua prática, e na verdade qualquer uma das oposições acima podem potencialmente servir como base do campo. No entanto, no primeiro ensaio artístico-histórico que eu já publiquei, eu introduzi minha própria oposição à mistura, uma extremamente geral, bem como contra-intuitiva, mas uma oposição que pretendia, no entanto, abranger muitos dos termos que acabamos de mencionar, dentre os quais a história e a prática fotográfica que foram suspensas desde a invenção do meio. De outro lado, em um ensaio dedicado a uma análise da fotografia de August Sander, perguntei quando seria necessário conceber a fotografia como dividida entre narrativa, ou o que eu também chamei de “narratividade” e stasis. A questão era contra-intuitiva, pois a plenitude congelada da imagem fotográfica, sua devoção a petrificação ou stasis pareceu para muitos caracterizar o meio como um todo. No entanto, no início do século XX, tornou-se impossível não considerar todas as formas pelas quais o uso social da fotografia - sua submissão à legendagem linguística, suas compilações arquivísticas, seu domínio referencial sobre as condições reais da história e da vida cotidiana, sua organização estética em seqüência e séries - impulsiona o significante fotográfico em movimento, envolvendo-o com as funções comunicativas da diegese narrativa, o desdobramento de uma discursividade inevitável. A oposição foi contra-intuitiva na época, mas também lógica, mantendo em desacordo tais efeitos de movimento e congelamento, bem como, talvez, as próprias dimensões temporais e espaciais, em um campo contraditório.
“Fotografia entre narratividade e stasis”, foi como chamei esta condição, isolando a sua localização dentro da estética da Neue Sachlichkeit, no momento do alto modernismo, uma estética, no caso de Sander, dividida entre as dimensões narrativas de sua compilação arquivística de retratos e sua tipologia repetitiva, sua inabilidade de evitar o congelamento de sua própria diegese através do uso sistemático e serial de poses, formatos e tipos idênticos. Enquanto o envolvimento de Sander com uma espécie de “ruído” narratológico, até mesmo literário em sua fotografia, pode ser rejeitado como um sinal do anti-modernismo da Neue Sachlichkeit, seu projeto complica tal julgamento ao romper todas as suas reivindicações de coesão narrativa, rompendo simultaneamente sua dedicação supostamente fotográfica à imobilidade ou stasis. No século XX, essa tinha sido uma condição despercebida, mas cada vez mais inevitável para a fotografia. Enquanto Barthes sempre quis separar uma arte narrativa como o cinema da temporalidade diferente da fotografia, ele também esteve sempre teve dúvidas se um “gênio” específico da fotografia de fato existisse, e em sua própria crítica mais vigorosa, seria incapaz de manter o cinemático e o fotográfico distantes em tudo. Pois quando ele procurou encontrar o “gênio” do cinema em uma série de filmes de Eisenstein, ele naturalmente focou toda a sua atenção no still fotográfico, no qual ele localizaria a essência paradoxal do “fílmico” (no ensaio “O Terceiro significado”); e em Camera lucida, o “gênio” da fotografia acabaria por ser sua criação, naquilo que Barthes começou a chamar o “punctum” fotográfico, um movimento em direção a, e de afastamento da imagem que ele também chamou de “campo cego” da imagem, uma propriedade que ele anteriormente reservou em seu livro para o filme como meio.
Agora, é esse rasgo da linguagem fotográfica entre os movimentos da narrativa e a paralisação da stasis que pode se tornar visível hoje como uma condição estruturante da fotografia modernista como um todo. Aplicável tanto a artistas de vanguarda e do retour à l’ordre (retorno a ordem), essa é uma condição que nós sentimos estruturar o modelo soviético do foto-arquivo (Rodchenko) tanto quanto o legado da Farm Security Administration do foto romance (Walker Evans). Ele assombra toda tentativa do artista modernista de criar um meio de comunicação visual, bem como vários esquemas de sequenciamento e legendagem que foram criados para fazer isso. Simultaneamente, ele assombra cada contra-tentativa de outras escolas modernistas de fotografia de inventar modos de silenciar a referencialidade da fotografia, de induzir a imagem fotográfica a uma stasis mais pura e puramente visual, uma condição e um limite que nenhuma fotografia modernista na história do meio jamais realmente foi capaz de alcançar. Desta forma, o uso modernista da fotografia - o que poderíamos chamar de sua retórica - parece resultar em uma condição geral de dupla denegação, como o que encontramos mais especificamente no caso de Sander. A fotografia modernista parece suspensa na categoria de nem/nem: é tanto aquele objeto que tenta produzir comunicação narrativa apenas para ser interrompido pelas forças de stasis do meio, quanto implica a criação de uma imagem estática concatenada pela guerra inerente da fotografia entre as suas próprias forças denotativas e conotativas. Nós estamos lidando, em outras palavras, com a questão do significado e sua construção em termos fotográficos - uma questão para a qual as teorias fotográficas que meramente enfatizam mudanças na tecnologia da fotografia, ou mesmo enfatizam uma espécie de explicação formalista ou fenomenológica da imagem, provaram ser cegas - e para o qual as lições do estruturalismo ainda podem ser bastante úteis.
De fato, outra maneira menos confusa de generalizar a condição estrutural da fotografia modernista é retratá-la como suspensa entre as condições de não ser nem narrativa nem totalmente estática; a fotografia modernista é aquela imagem que, paradoxalmente, é uma função de não-narrativa e de não-stasis ao mesmo tempo. Meus termos aqui começam a ecoar a conjugação lógica explorada por Krauss em seu “Sculpture in the expanded field”. Como foi o caso de sua oposição estruturante à escultura (modernista) de “não-paisagem” e “não-arquitetura” - a escultura modernista, para Krauss, torna-se simplesmente aquela coisa na paisagem que não é paisagem, ou aquela coisa na arquitetura que não é arquitetura - a representação da fotografia modernista como suspensa entre não-narrativa e não-stasis tem um interesse irresistível. Pois, como os termos “paisagem” e “arquitetura”, eles se abrem para o que poderíamos chamar de “construído” (ou edificado) e “não-construído”, com a narrativa sinalizando algo como a dimensão cultural da fotografia, e stasis sua “natureza” irrefletida (os termos de “conotação” e “denotação” de Barthes não estão longe). Há muito a oposição entre natureza e cultura foi uma daquelas para as quais as teorias do advento do próprio pós-modernismo se voltaram, e na história da fotografia parece que foi o gradual relaxamento da suspensão da fotografia entre as condições da não-narrativa e não-stasis que sinalizariam a emergência do pós-modernismo em termos fotográficos: a reavaliação na década de 1970 das funções narrativas, do documentário em todas as suas formas, e de muitos tipos de enquadramentos discursivos e suplementos para trabalhos fotográficos.
Em “Sculpture in the expanded field”, Krauss utilizou o Grupo de Klein matemático ou o Grupo de Piaget estruturalista para abrir a oposição lógica que ela havia construído. Vou parafrasear os termos dela e o uso desta estrutura aqui. Pois, se a fotografia modernista ficou de alguma forma presa entre duas negações, entre as condições de não ser verdadeiramente narrativa nem estática em seus efeitos de significado - se a fotografia modernista se tornou uma soma de exclusões - então essa oposição de termos negativos gera facilmente uma oposição semelhante, mas expressa de forma positiva. “Isto é,” para parafrasear Krauss, “a [não-narrativa] é, de acordo com a lógica de um certo tipo de expansão, apenas outra maneira de expressar o termo [stasis], e a [não-stasis] é, simplesmente, [narrativa].” A expansão à qual Krauss se referia, o Grupo de Klein, transformaria então um conjunto de binários“ em um campo quaternário que tanto espelha a oposição original como ao mesmo tempo a abre”. Para a fotografia modernista, esse campo expandido ficaria assim:
Venho desenhando Grupos de Klein e quadrados semióticos desde que conheci Rosalind Krauss, e o leitor, a esta altura, não ficará surpreso em saber como me lembro de ter sentado em seu escritório conjugando a neutralização semiótica de coisas como os termos de gênero e sexualidade, há cerca de doze anos. Quando eu desenhei este gráfico em particular, no entanto, há cerca de três anos, a princípio eu não estava seguro sobre quais novas formas poderiam corresponder ao campo expandido do qual a fotografia modernista, com suas verdades específicas do meio, era agora não o termo mestre, mas apenas a parte deslocada. O gráfico tornou-se imediatamente convincente todavia quando comecei a pensar nos principais usos nos quais a fotografia havia sido posicionada nas práticas artísticas mais importantes que surgiram desde meados até o final da década de 1970, após o encerramento do modernismo e a legitimação vanguardista dos usos da fotografia por movimentos, tais como a arte Conceitual.
Fiquei impressionado, em primeiro lugar, com a forma como a chamada geração de artistas “Pictures” (termo de Douglas Crimp) muitas vezes colocou em primeiro plano o uso da fotografia como um fragmento autoconsciente de um campo maior. O exemplo mais convincente constitui, é claro, são os “film stills” sem título de Cindy Sherman. Tais obras eram imagens fotográficas que, e isso é crucial, não se chamavam fotografias, e isso manteria aberta a imagem estática a um campo cultural de códigos e outras forças que estou chamando de não-stasis. No mesmo momento, porém, os usos pós-conceituais de imagens projetadas veriam um artista como James Coleman produzindo, na década de 1970, obras baseadas diretamente no cinema narrativo, obras que, como em La tache aveugle (1978-1990), congelariam as formas cinemáticas de movimento em imagens fixas a serem projetadas durante longos retardamentos; ou que acabaria por congelar filmes mais frequentemente na projeção duracional de imagens contínuas (Untitled: Philippe VACHER [1990]); ou, no modo de trabalho mais característico de Coleman, apoderar-se-ia de projeções de slides com vozes poéticas continuamente interrompidas em sua diegese narrativa pelas forças fotográficas congeladas daquilo que venho chamando de não-narrativa (como na imagem projetada da “trilogia” de Background, lapsus, exposure e INITIALS, obras criadas no início dos anos 90, mas ligadas a projetos que Coleman completou no início até meados dos anos de 1970). Duas expansões do meu campo quaternário deram resultado pois, os esquemas do narrativo e não-narrativo, bem como a stasis e a não-stasis, e a estranha conexão - mas também a oposição - que sempre me intrigaram entre os projetos de Sherman e Coleman se explicaram logicamente. Mais intrigante, talvez, foi o que o estruturalismo chamaria de eixo “complexo” do meu gráfico, a expressão invertida da suspensão da fotografia modernista como uma soma de exclusões, nem narrativa nem stasis em seu estado neutro. O que significaria inverter essa exclusão, para localizar um projeto não como a suspensão fotográfica entre a não-narrativa e a não-stasis, mas como uma nova combinação de ambos os termos, envolvendo narrativa e stasis ao mesmo tempo? Mas é claro que Sherman e Coleman, no final dos anos de 1970, têm uma contrapartida bastante convincente e lógica na reivindicação de novos usos para a “fotografia”, mesmo que o termo meio-específico agora precise evidentemente ser reconsiderado; se Sherman reivindica o “filme parado” e Coleman a “imagem projetada”, a apropriação de Jeff Wall do formato de publicidade da caixa de luz para suas imagens tableaux chega como mais uma forma importante inventada exatamente naquele mesmo momento que agora parece completar nosso campo expandido.
Os críticos sempre se perguntaram sobre a operação da condição de pastiche nas imagens de Wall; eles se perguntaram também sobre sua recuperação da história da pintura, depreciando sua estética como a falsa ressurreição do “quadro falante”. Nós também podemos responder a essas questões agora, já que a aposta estética de Wall era ocupar o eixo complexo do campo expandido da fotografia, posicionando sua própria prática como a inversão lógica e diametral da prática modernista, em oposição à continuação oblíqua de formas pelo menos parciais de ruptura ou negação modernista nos projetos opostos de Coleman e Sherman (a não-narrativa em um, a não-stasis no outro). Dois artistas aqui, então, afastam-se obliquamente e, assim, conseguem prolongar as esperanças críticas do modernismo; o outro simplesmente inverte seus termos, permitindo que as exclusões ideológicas do modernismo brilhem sem interrupções.
Está claro para mim agora que, na arte dos últimos dez anos, em vez de falar tendenciosamente, como os críticos costumam fazer, sobre a “influência” de Cindy Sherman em uma geração mais jovem de fotógrafos, ou do “impacto” de Coleman ou Wall na arte contemporânea, deveríamos, ao invés, estar traçando a vida e a potencial transformação do campo expandido de um antigo meio. Estamos lidando menos com “autores” e sua influência do que com um campo estrutural de novas possibilidades formais e culturais, todas elas ratificadas logicamente pela expansão do meio da fotografia.
Pois as posições ocupadas pelo grande triunvirato de “fotógrafos” pós-modernistas no final da década de 1970 geraram, elas mesmas, o nascimento mais geral das novas formas que testemunhamos nos últimos anos. Do início ao meio dos anos de 1990, toda uma geração de artistas usando a fotografia começou a minar as possibilidades de stasis e não-stasis, abraçando o impulso para o que poderia ser chamado de “contra-presença”, tal a ação sobre fotografia que ela proporciona, sempre empurrando a imagem estática tanto para um campo de múltiplas camadas sociais, quanto de fragmentos incompletos de imagem. E assim será evidente agora que o investimento intenso no que poderíamos chamar de “filme parado” ou o que eu chamarei de “fotografia cinemática” na arte contemporânea não reside no fechamento da fotografia tout court, mas sim em uma expansão de seus termos em uma arena cultural mais ampla. Assim, testemunhamos a louca multiplicação de códigos conotacionais dentro de uma única imagem fixa (o projeto na década de 1990, mais conspicuamente, das fotografias de Sharon Lockhart, cujas séries, por exemplo de Shaun a Goshogaoka, são freqüentemente feitas em relação a um projeto de filme simultâneo); ou a abertura da imagem para manipulações de outros domínios culturais (como o uso pelo artista dinamarquês Joachim Koester dos filtros azuis popularizados pelo diretor François Truffaut na série Day for night, Christiania, ou a ameaça da ficção científica, documentos nocturnos de projectos habitacionais urbanos, do artista norueguês Knut Åsdam). O último trabalho de Åsdam foi apresentado como uma série aberta de impressões fotográficas, mas também, significativamente, reconfigurado em projeções de slides, onde as possibilidades descobertas de seqüenciamento e narrativa levariam o artista a dedicar-se a subsequente produção de filmes semi-narrativos.
Assim, artistas singulares ocuparão agora posições opostas e bastante diferentes dentro deste campo expandido; Lockhart, por exemplo, é conhecida por sua produção não só de fotografias cinemáticas, mas também por uma série de filmes quase estáticos, como o Teatro Amazonas, que podemos chamar de “filme estático” [still film], em vez de fotograma [film still]. Tanto o filme estático, quanto as muitas formas da imagem projetada, começaram a dar expressão no mesmo momento em meados da década de 1990, às possibilidades abertas pela combinação específica de narrativa e não-narrativa. Durante a última década, a sequência de projeções de slides atraiu todo um novo grupo de adeptos, um exemplo é novamente um artista que associei a outro aspecto do meu campo, nomeadamente o uso de slides abandonados na revelação por Joachim Koester para criar narrativas fugazes (por exemplo, Set-up [1992]). Novas formas serão inventadas em cada posição dentro do campo. Os filmes congelados de Tacita Dean devem ocupar essa posição de narrativa e não-narrativa junto com os de Lockhart, assim como Dean dedicará a maior parte de sua prática à fotografia como a fotógrafa Lockhart dedica ao filme. E os filmes “prolongados” de Douglas Gordon - que em suas versões mais extremas reduzem o produto cinemático narrativo à fundação do frame ao estender filmes a duração de vinte e quatro horas ou mesmo a um intervalo de anos - ocuparão a posição do filme estático tanto quanto quanto o Teatro Amazonas de Lockhart. Pois, mesmo embora um projeto possa depender de vídeo e o outro de filme, ambos estão vinculados conceitualmente a um campo mapeado pela expansão da fotografia, para o qual, no entanto, nenhum deles corresponderá naturalmente.
O “quadro falante” ou o eixo complexo de nosso campo - a fusão de narrativa e stasis - englobou a mais selvagem variedade de soluções nos últimos anos, desde as manipulações pictóricas da montagem digital (de Wall a Davenport e outros) até os tableuax estilo Hollywood de grande escala da escola de Gregory Crewdson (ou seja, Anna Gaskell, Justine Kurland, et al.), até a invenção do que eu chamaria de “legenda narrativa” nos projetos fotográficos de artistas tão diversos como Andrea Robbins + Max Becher e o artista irlandês Gerard Byrne, cujas imagens são frequentemente acompanhadas pelo mais incontinente dos suplementos. Além da recodificação digital e suplementos lingüísticos, novas formas também serão inventadas aqui, mesmo que o pastiche seja na maioria das vezes o seu domínio: pensemos nos Five revolutionary seconds ou na série Soliloquy de Sam Taylor-Wood, fotografias panorâmicas feitas por uma câmera especial que gira ao longo do tempo e do espaço, muitas vezes restaurando pinturas históricas, e que são frequentemente acompanhadas, na exibição, por alto-falantes montados na parede, emitindo trilhas sonoras literais. Aqui, assim o parece, é uma imagem em que a condição do “falar” foi levada até onde poderia ir, e onde o eixo complexo, a fusão de ambos/e, talvez clame mais uma vez por uma renovada dedicação à ruptura (a negação do “não”).
Assim, parafraseando Krauss uma última vez, “[A fotografia] não é mais o meio termo privilegiado entre duas coisas que não são. [A fotografia] é antes apenas um termo na periferia de um campo no qual existem outras possibilidades estruturadas de maneira diferente”. Que esse é um campo cultural em oposição ao meramente estético é algo que certas tentativas recentes de recuperar noções objetuais ligadas a especificidade-do-meio parecem estar em potencial perigo de esquecimento. Pois essa foi uma das grandes lições do campo expandido de Krauss: não que a concepção modernista da especificidade do meio simplesmente se dissiparia no estado pluralista do qualquer coisa, mas sim que precisamente tais meios se expandiriam, marcando um movimento estratégico pelo qual a arte e o mundo ou a arte e o campo cultural maior estariam em novas e antes inimagináveis relações entre si. Nessa conexão, penso em artistas como Pierre Huyghe, cujas fotografias e projeções estão essencialmente posicionadas como pontos de partida entre suas formas expandidas e os domínios culturais aos quais essas formas fazem referência; em Huyghe, a brincadeira pós-moderna com códigos representacionais busca uma forma que permita que tais códigos excedam o seu lugar dentro de uma imagem, dentro de um quadro, e retornem para re-codificar a realidade ou domínios culturais que eles não podem mais representar adequadamente. Essa expansão cultural equivale a uma das razões pelas quais considero necessário recuperar o modelo do campo expandido e mapear sua dimensão fotográfica neste ensaio. Eu não estou tão preocupado com o retorno das idéias do meio nos ensaios recentes de Krauss ou Hal Foster - em Krauss, essa preocupação nunca realmente desapareceu - pois a idéia do meio que esses críticos estão tentando explorar parece totalmente alinhada com as expansões mapeadas em seu próprio trabalho anterior (de fato, visto em retrospecto, “Escultura no campo expandido” equivale a uma meditação profunda sobre o que um meio na era do pós-modernismo poderia ser). Mas a quebra de um tabu pós-modernista e interdisciplinar liberou uma série de apelos muito mais conservadores à especificidade do meio, um retorno aos objetos, práticas e discursos artísticos tradicionais, aos quais devemos resistir.
O problema não é “voltar” a um meio que foi descentrado, se não expandido. O problema, como Foster há muito tempo observou sobre o ensaio de Krauss, é resistir ao desejo latente implícito de “recentrar” no modelo de campo expandido do pós-moderno: no “Campo Expandido”, escreveu Foster, “a obra está livre do termo ‘escultura’. . . mas apenas para ser vinculado a outros termos, “paisagem”, “arquitetura”, etc. Embora não mais definido em um código, a prática permanece dentro de um campo. Depois de descentrado, ele é recentrado: o campo é (precisamente) “expandido” em vez de “desconstruído”. O modelo para este campo é o estruturalista, como é a atividade do ensaio de Krauss. . . . “O Campo Expandido”, portanto, postula uma lógica de oposições culturais questionadas pelo pós-estruturalismo - e também, parece, pelo pós-modernismo.” Esse problema é nosso agora também. Se o objeto fotográfico parece estar em crise hoje, isso pode significar que agora estamos entrando não em um período quando o meio chegou ao fim, nem quando o campo expandido simplesmente entrou em colapso sob sua própria dispersão, mas sim que os termos envolvidos agora apenas tornaram-se mais complexos, a necessidade de mapear seus efeitos tornaram-se mais importantes, porque esses efeitos são menos óbvios e evidentes.
Pois, como sugeri anteriormente, outros campos expandidos para a fotografia podem ser vislumbrados, além daquele mapeado rapidamente aqui. Um exemplo que eu apontaria seria a expansão mais completamente espacial (em oposição a temporal) da fotografia que talvez enfrentemos em práticas decorrentes que vão de Louise Lawler e James Welling a artistas mais jovens, como Rachel Harrison, Tom Burr, Zoe Leonard e Gabriel Orozco (pense, por exemplo, na Extension of a reflexion [1992] ou sua obra Yielding stone [1992]). Dadas essas expansões potenciais, precisamos agora resistir à atração do objeto tradicional e do meio na arte contemporânea, da mesma forma que precisamos trabalhar contra a cegueira e a amnésia aninhadas em nosso presente, a chamada “condição pós-meio”. Como Fredric Jameson sugeriu sobre uma bifurcação anterior, no desenvolvimento da pós-modernidade, o que precisamos no momento contemporâneo são mapas: não devemos nos afastar do campo expandido da prática fotográfica contemporânea, devemos mapear suas possibilidades, mas também desconstruir seu potencial de fechamento e abrir ainda mais suas múltiplas lógicas. De qualquer forma, quando desenhei meu gráfico para a artista com o qual comecei este ensaio, Nancy Davenport, ela rapidamente pegou minha caneta e papel e começou a desenhar linhas em todas as direções, circulando em torno de minhas oposições e quadrados, com um olhar que parecia dizer: “Bem, e essas possibilidades?” Meu gráfico estava uma bagunça. Mas as linhas da fotógrafa, embora girando em torno do campo, não tinham centro e se estendiam em todas as direções.
* George Baker é professor de História da Arte na UCLA, onde leciona teoria e arte moderna e contemporânea desde 2003. Crítico de Artforum em Nova York e Paris nos anos 90, agora trabalha como editor da revista October e de sua editora Octuber Books. Embora conhecido por suas críticas e ensaios sobre a arte contemporânea, ele resiste à especialização do “contemporâneo” como um campo acadêmico e regularmente oferece cursos sobre todos os aspectos do modernismo e da vanguarda histórica, sobre a história da fotografia nos séculos XIX e XX. Séculos XX, e sobre tópicos especializados em pós-Segunda Guerra Mundial e história da arte contemporânea.
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